Lucas chega ao bar de
João. Ele se dirige ao balcão e senta-se. Dois anjos se aproximam do ceifeiro,
um de cada lado. Ele olha para um, depois para o outro e pergunta:
- Posso ajudar?
O anjo olha firme nos
olhos de Lucas e responde:
- Preocupe-se em se
ajudar, pois vai precisar.
Lucas fica confuso por
um instante, até que os dois anjos o agarram pelos braços. Agora eles não estão
mais no bar de João, e sim em um corredor com carpete vermelho e com luzes
fracas, que deixavam o ambiente meio sombrio. Os dois anjos soltam Lucas que se
vira para eles pronto para lutar.
- Quem vocês pensam que
são para me abduzirem dessa forma?
- Somos anjos cumprindo
ordens. Agora siga o corredor até a porta no final dele. – Um dos anjos diz de
forma firme.
- E por que eu faria isso?
- Porque você já tem
problemas demais para querer arrumar mais.
Lucas percebe o tom de
seriedade na voz do outro anjo e então decide fazer o que ele disse. O ceifeiro
começa a caminhar pelo corredor que não tinha nada, nem portas, nem quadros e
nem mesas com vasos ou abajures, somente as paredes e o teto.
Lucas caminha pelo
corredor até que consegue ver uma porta branca no final dele. A direita da
porta havia um anjo alto e forte, de cabelo negro e cumprido, trajando um manto
negro. A esquerda da porta havia outro anjo, esse tinha cabelos loiros, também
era forte e trajava um manto azul. Ambos os anjos tinham asas brancas.
Quando Lucas se
aproxima o anjo de manto negro olha para ele e diz:
- Entre!
Ao passar pela porta
Lucas se depara com uma espécie de escritório. No lado direito havia uma grande
estante que tomava toda a extensão da parede. A sua esquerda havia um sofá de
couro preto que aparentava ser muito confortável, acima deste um quadro de uma
montanha estava à mostra e ao seu lado uma mesa comprida sustentava um aquário
com peixes negros. A frente de Lucas havia uma mesa de escritório com alguns
papeis que lembravam um relatório.
Entre Lucas e a mesa
estavam duas pessoas, uma era Mirian, que estava com uma expressão de
preocupação. A segunda pessoa era uma mulher alta, de cabelos totalmente
brancos e trajando um manto de seda branco. As asas da mulher eram
completamente transparentes aparentando que eram feitas de água, e seus olhos
eram tão claros que realmente pareciam duas lagoas de água cristalina. Ao olhar
para ela Lucas ficou completamente estonteado, pois sua beleza era sem igual.
Até aquele momento
Lucas não acreditava que pudesse haver uma mulher ou um anjo mais belo que
Mirian, porém aquela criatura parada ali na sua frente superava todas as suas
expectativas. A beleza das duas era diferenciada, enquanto aquela mulher
mostrava uma beleza extravagante como uma modelo ou uma atriz, Mirian era
dotada de uma beleza sutil e delicada, a beleza de uma flor, a beleza daquela
que se torna o amor da vida de um homem.
- O que aconteceu
Mirian? Porque estamos aqui?
Mirian se aproxima de
Lucas.
- Essa é a nossa
superiora Lucas e estamos aqui para falar com ela.
Lucas fica surpreso com
a informação. O ceifeiro não sabe o que fazer se chega perto dela ou se fica
onde está. Ele decide se aproximar.
- Olá! É um prazer
finalmente conhece-la. Eu me chamo Lucas – O jovem diz com a mão estendida.
Ela ignora a mão dele.
- Eu sei quem você é
rapaz.
O ceifeiro abaixa a mão
constrangido por ter sido ignorado.
- E qual o seu nome?
- Você me conhece
como... MORTE!
As palavras deixam
Lucas completamente estagnado.
- Mas você não está
aqui para aprender sobre mim. É função de Mirian lhe ensinar isso. Mais uma lição
na qual ela falhou.
Todo o encanto inicial
que Lucas teve por aquela anja, sumiu quando ela ignorou seu cumprimento...
e
principalmente agora que ela falava mau de... Mirian.
- Com todo respeito
senhora, Mirian tem sido uma excelente mestra.
- Você não sabe o que é
ser um mestre excelente. Na verdade, devido a suas ultimas ações creio que você
não sabe nada de nada sobre anjos.
Lucas se irrita com as
palavras da Morte, não por afetarem ele, mas porque eram um ataque contra
Mirian.
- Você está errada! –
Ele grita contra a Morte.
O olhar calmo e sereno
que Morte tinha some e é consumido por um olhar rigoroso e severo.
- Não torne a me
contrariar garoto. Sua situação já está bem ruim. – Ela diz virando-se de
costas para Lucas.
O ceifeiro perde a
cabeça e a segura ombro esquerdo para virá-la...
Ela vira-se num piscar
de olhos, agarrando o pescoço de Lucas com a mão direita e então ele sente suas
costas batendo contra uma superfície rígida. Quando olha atrás da Morte, vê que
ela havia o arrastado por vários metros até a parede como se ele não fosse
nada.
Mirian se desespera e
parte para cima da Morte... Mas quando estava a um metro dela... Cai ao chão,
se contorcendo de dor e gritando.
- Vocês são dois
idiotas. Atacar a mim é a maior burrice que alguém poderia fazer. Entretanto...
Essa é uma atitude que eu poderia esperar de um novato como você... Porém
Mirian é uma Ceifeira experiente e sábia.
A morte olha para
Mirian. Em um segundo Lucas cai ao chão... E Mirian é arremessada sobre a
mesa... Sobre ela estava a Morte, que segurava firme sua garganta.
- Por que você agiu de
forma tão estúpida assim Mirian? Conte-me.
Lucas não escutou
nenhuma palavra de Mirian.
- Entendo. – Diz a
Morte – É por isso então.
O ceifeiro imaginou que
a Morte tinha o poder de entrar na mente deles. Isso fazia dela o Anjo mais
poderoso que ele já havia encontrado.
Novamente em um
instante Lucas viu Mirian caída ao chão... E a Morte não estava mais sobre a
mesa, e sim em pé no mesmo lugar de antes da briga começar.
- Levantem-se vocês
dois. – Ela diz calmamente, como se nada tivesse acontecido.
Lucas se levanta e vai
até Mirian para ajuda-la a se levantar. Feito isso, ele pergunta:
- Por que eu estou
aqui?
- Porque você cometeu
um grave erro.
- E que erro foi esse?
- O de achar que é
“DEUS”!
- Mas como assim?
- Estou falando de você
achar que podia tomar a decisão de poupar aquela garota.
- Eu podia. Afinal, eu
era o ceifeiro dela.
- Eu não sei se você é
um imbecil ou se Mirian é uma inútil. Não sei o que ela lhe ensinou, mas
ceifeiros não julgam e não tomam decisões sobre a vida. A única função de um
Ceifeiro é ceifar. E eles ceifam quem a lista manda... Nem mais... Nem menos.
- Mas eu pensei...
- Pensou... Pensou...
Pois pensou errado. O que você fez foi uma lambança.
- Como assim?
- Aquela garota devia
ter morrido. Ela já estava pronta para passar para a próxima etapa. Mas você
decidiu que ela deveria ficar viva.
- E qual o problema
disso?
- Vamos ver se você
identifica o problema. O pai da garota chegou ao hospital e recebeu a notícia
de que ela estava bem. E toda a família dela foi até lá para vê-la. Porém, o
pai foi até em casa para pegar roupas para dormir no hospital, e durante o
trajeto acabou se envolvendo em um acidente... E faleceu!
- E você está
insinuando que isso é culpa minha?
- Não estou insinuando
garoto... Eu estou afirmando! Aquele homem deveria estar no hospital, chorando
a morte da filha. Mas como você não a ceifou, ele não estava aonde deveria
estar.
- Então salvar a filha
matou o pai? Como isso é possível?
- Vou deixar que sua
mestra lhe explique, afinal isso era função dela.
Lucas olha para Mirian
que devolve o olhar.
- Veja bem Lucas.
Quando você não ceifou aquela garota você causou um erro no mundo. Alguém que
não deveria mais existir, existia. E isso causou mudanças na vida de várias
pessoas, colocando-as aonde não deveriam estar.
- Basicamente. – A
Morte interrompe Mirian – Você riscou aquela garota da sua lista. Porém, isso
resultou em mudanças na sua lista e na de vários outros ceifeiros.
- Como assim na de
vários outros ceifeiros? – Lucas pergunta.
- Não foi apenas o pai
da garota que faleceu no acidente... Mas outras três pessoas.
Lucas é tomado pelo
choque da informação.
- Você achou que estava
fazendo o bem para alguém... – Mirian diz a Lucas – Mas acabou causando a morte
de outras quatro pessoas.
- E o mais importante é
que diferente da garota, essas quatro almas não estavam prontas para seguir a
diante, e pior ainda, não estavam prontas para vir ao céu.
- Como assim não
estavam prontas para vir ao céu? Onde elas estão então?
- Onde você acha?
O ceifeiro fica sem
palavras.
- A sua sorte garoto, é
que o mal feito foi pequeno. Apenas algumas almas e poucas listas foram
afetadas pela sua ação.
- Pequeno? Como assim
pequeno?
- Poderia ter sido
pior... Várias listas poderiam ter sido afetadas. Por sorte foram apenas
quatro.
- E agora, o que vai
acontecer?
- É bem simples... Você
vai corrigir a sua lambança.
- E como é que eu posso
corrigir isso?
- Primeiro você e
Mirian irão voltar para a Terra.
- Posso saber para que?
- Claro. Você irá fazer
o que devia ter feito antes, você irá ceifar a garota!
- Eu não vo...
Lucas é bruscamente
interrompido por um grito da Morte:
- Não me contradiga
garoto. É melhor você fazer o que estou mandando ou vou te jogar na prisão até
que você perca a noção dos milênios.
O ceifeiro percebe que
é melhor ficar calado.
- Depois que você
ceifar a garota não haverá mais um erro no mundo, e as coisas poderão voltar ao
normal.
- Só isso?
- Claro que não.
- E o que mais?
- Você vai buscar as
almas que jogou no inferno. – A Morte diz de forma bem serena.
- Ele não pode ir até
lá – Mirian intervém – Ele não está preparado.
- É por isso que você
irá com ele, para auxilia-lo. Já que você não cumpriu com sua missão impedindo
ele de fazer sujeira, vai cumpri-la ajudando-o a limpa-la.
- Mas...
- Sem “mas” Mirian.
Obedeça, ou jogo você na prisão com ele.
Lucas decide se inserir
novamente na conversa.
- Como é que vou buscar
essas almas?
- Bem simples. Você irá
até o inferno. Só que dessa vez não vai parar na porta, você vai entrar e
procurar as almas e depois vai retirá-las de lá.
- E qual é o objetivo
disso?
- Mirian irá lhe
explicar isso.
- Eu irei sozinha. –
Mirian diz para a Morte – Resgatarei aquelas almas e as alçarei no mundo.
- Não. É a ele quem
cabe cumprir essa missão. E veja bem Mirian, não intervenha por ele. Esse
garoto está com uma grande dívida na casa, e a única forma de se redimir é
cumprindo essa missão e corrigindo as coisas. Você deve apenas orientá-lo, pois
se você interferir estará o condenando a um pagamento severo.
Mirian abaixa a cabeça,
desolada.
- Agora vocês podem
ir. E boa sorte.
POR VINÍCIUS VIEIRA DE FARIA
EM 20/03/2015.